Especial: O legado do jornalista Júlio Prates de Castilhos para a política


Reportagem por Ricardo Chaves Almanaque GaúchaZH Foto: Virgílio Calegari / Reprodução:

O Jornal A Federação (1884-1937) – órgão do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) – reproduziu, em grande parte, o pensamento político de Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), que preferia o manejo da pena ao discurso na tribuna parlamentar. Considerado o “príncipe do jornalismo político”, ele defendeu o conceito de que a imprensa não precisa limitar-se apenas ao registro do acontecimento político, mas pode ser o instrumento para modificar-lhe o curso. A experiência jornalística de Júlio de Castilhos proveio de sua atuação no jornal estudantil A Evolução (1879). 

Gerado dentro do Clube 20 de Setembro da Faculdade de Direito de São Paulo, neste jornal, aos 19 anos, ele já combatia o regime monárquico. Com o título “O precoce jornalista Júlio de Castilhos” (2017), o artigo do professor Antônio Hohlfeldt e do mestre em Comunicação Social Fábio Flores Rausch registra que, segundo a historiadora Helga Piccolo, entre junho e agosto de 1880, Júlio de Castilhos foi redator do jornal paulistano A República (1878-1882), oriundo também do ambiente acadêmico. 

Aos 21 anos, já formado em Direito, ele retornou ao Rio Grande do Sul e, em 1882, fundou, com outros companheiros, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Como redator d’A Federação, ele escreveu  uma série de artigos, denominados de Sophismas Liberais. Nestes editoriais, que somam 16 textos e foram escritos no período de fevereiro a junho de 1884, ele defendeu e justificou a forma republicana como o modelo ideal de governo

 

Em 2005, os jornalistas Antônio Hohlfeldt e Fábio Rausch realizaram, em Porto Alegre, no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, uma pesquisa na qual foram analisados esses importantes editoriais d’A Federação escritos por Júlio de Castilhos. Trata-se de artigos visando à desconstrução de três princípios básicos defendidos pelos monarquistas: “Não temos homens para a República”, “Temos liberdade demais” e “O exemplo das repúblicas sul-americanas”. 

Na opinião do jornalista e pesquisador Francisco Rüdiger, A Federação influenciou os acontecimentos, e não somente os reproduziu. Cada edição era uma página de um Alcorãopartidário. Ser um assinante do jornal era a credencial de um republicano. A Federação enfrentou oposição, especialmente do jornal A Reforma (1869-1912). Com este último, ocorreram acirrados embates políticos entre Gaspar Silveira Martins (1835-1901) e Júlio de Castilhos. 

Reprodução / Acervo Musecom
A Federação de 14 de julho de 1884Reprodução / Acervo Musecom

Em 1885, A Reforma também registrou debates do jornalista monarquista e anticlerical Carlos von Koseritz (1830-1890) respondendo às críticas do seu opositor, Júlio de Castilhos, no jornal A Federação. Proclamada a República (1889), Silveira Martins, presidente da província, foi para o exílio na Europa. Em 1890, Júlio de Castilhos foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Sul, participando, como líder da bancada gaúcha, da Constituinte de 1891. Em 14 de julho de 1891, promulgou-se a primeira Constituição do Rio Grande do Sul. Escrita por Júlio de Castilhos, tinha caráter centralizador e foi inspirada na filosofia positivista de Augusto Comte (1798-1857). No dia seguinte a sua promulgação, ele assumiu a presidência do Estado.

Pressionado pela oposição devido ao fato de ter dado apoio ao presidente Deodoro da Fonseca (1827-1892), quando este fechou o Congresso Nacional, em 3 de novembro de 1891, Castilhos acabou renunciando em 12 de novembro daquele mesmo ano.

Com o seu afastamento, nosso Estado, até junho de 1892, viveu um período de crise política, pejorativamente chamado de “governicho” pelo próprio Júlio de Castilhos. Reeleito, Castilhos foi empossado em 25 de janeiro de 1893, com o apoio do novo presidente da República, marechal Floriano Peixoto. A oposição gaúcha considerou o pleito uma fraude, recrudescendo o ódio partidário.  

Reprodução / Acervo Musecom
Constituição de 1891 do Rio Grande do SulReprodução / Acervo Musecom

Ao retornar para o Rio Grande do Sul, após o exílio, Silveira Martins fundou, em Bagé, em 1892, o Partido Federalista (PF), que defendia o unitarismo e o parlamentarismo. Reunindo os maragatos (lenço vermelho), que haviam sido alijados do poder, ele passou a liderar uma acirrada oposição aos pica-paus (lenço branco), representantes do poder castilhista.

O debate político, por meio da imprensa, configurou-se, de forma inevitável, em uma guerra fratricida, eclodindo a Revolução Federalista ou da Degola (1893-1895), que nos deixou o saldo de 10 mil mortes. Vencedor, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) consolidou o seu poder, por cerca de 40 anos, no cenário da política gaúcha.

Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom